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CONTINUAÇÃO DA PARTE II...
Capítulo 15 –
A Revolução Francesa
Nesse capítulo,
fora o jargão católico que permeia todo o livro, não há maiores pontos de
destaque para a leitura de um Espírita militante. Todavia, acreditamos válido
dois registros:
p.111 “—Anjo amigo – interpelou um dos operários da luz
naquela augusta assembleia...”
“Anjo” é uma expressão católica que não tem nenhum
valor à luz da Doutrina Espírita. Será que não poderia ser substituída?
A Doutrina Espírita não veio ao mundo para proporcionar a cada um de nós a
Verdade que liberta da ignorância? Ora, a ignorância espiritual inclui as
visões mitológicas a respeito de Espíritos superiores, os quais são Espíritos
humanos, trabalhando para o desenvolvimento progressivo de suas qualidades, o
que consiste destino comum a todos nós. Cabe a pergunta: será que Allan Kardec,
Léon Denis, Gabriel Delanne, André Luiz, Yvonne Pereira, Herculano Pires,
Cairbar Schutel, entre outros legítimos representantes do Espiritismo utilizam
com frequência tais termos? A resposta, obviamente, é não.
p.113. “...Até que a fraternidade
deixe de ser uma figura mitológica no coração das criaturas humanas, até que
sejam extintas as vaidades patrióticas, para que prevaleçam um só rebanho e um
só pastor, que é Jesus Cristo, os seres das sombras terão o poder de arrastar o
homem da Terra às lutas fratricidas. Mas ai daqueles que fomentarem semelhantes
delitos. Para as suas almas, a noite dos séculos é mais sombria e mais
dolorosa...”.
O texto continua
repleto de contradições em linguagem católica e prolixa. Vejamos esse trecho em
que o texto critica o fato da “fraternidade”
ser uma “figura mitológica”. Até aí
tudo bem, porque, como diria o professor Herculano Pires, precisamos combater o
mito e a fase mitológica que ainda perturba nosso pensamento religioso. O que é
irônico, é que todo o livro “Brasil....” é marcado por linguagem típica da
mitologia católica, retrocesso inadmissível para aqueles que já receberam a luz
da Terceira Revelação.
Não satisfeito, o
texto, poucas palavras depois, cai em outra contradição afirmando “...até que sejam extintas as vaidades
patrióticas, para que prevaleçam um só rebanho e um só pastor, que é Jesus
Cristo”. Ora, será que o livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do
Evangelho” não exalta uma espécie de “vaidade patriótica”? O comportamento de
muitos confrades (alguns, inclusive, que nem leram a obra com maior atenção,
mas adoram seu título) denota isso. Título, inclusive, que, segundo Divaldo
Franco (vide “Divaldo Franco Responde – Mediunidade/ Centro Espírita “Nosso
Lar” – “Casas André Luiz”, 1999), gera um certo ciúme/ressentimento de nossos
confrades de outros países, sobretudo da América Latina. Ora, admitindo-se que “Brasil, Coração do
Mundo, Pátria do Evangelho” não deixa de ser um título e uma obra que abrange
significativa “vaidade patriótica”, o referido livro estaria trabalhando contra
Jesus, pois, em conformidade com o próprio texto, exaltando “as vaidades patrióticas”, seriam
acentuadas as dificuldades “...para que
prevaleçam um só rebanho e um só pastor, que é Jesus Cristo”. De fato,
segundo o texto, “...até que sejam
extintas as vaidades patrióticas...” esse único rebanho de Jesus não se
estabelecerá. Se essa afirmativa do próprio livro “Brasil, Coração do Mundo,
Pátria do Evangelho” estiver correta, então, infelizmente, temos que convir que
é muito questionável se essa obra, estimulando a acentuação das “vaidades
patrióticas” brasileiras, constitui contribuição ou empecilho à implantação do
“Reino dos Céus na Terra”, quando haverá “um
só rebanho e um só pastor, que é Jesus Cristo”.
Para concluir esse
muito complicado trecho, ainda são registradas as assustadoras ameaças: “Mas ai daqueles que fomentarem semelhantes
delitos. Para as suas almas, a noite dos séculos é mais sombria e mais
dolorosa...”. Além de ser um linguagem típica de “falas de bruxas em contos
infantis”, tal postura fomentadora de medo já foi por várias vezes rejeitada
por André Luiz e Emmanuel. Só para ilustrar, lembremos o desastre aéreo do
final da obra “Ação e Reação” [Luiz, 2013], em que o Mentor de André Luiz
recomenda que todo o esforço de André Luiz, na elaboração de material didático
para os encarnados, deve ser direcionando em estimular o bem e não em gerar
medo do sofrimento, da dor e da expiação. Dessa forma, ele não permite que
André Luiz visite o local do acidente aéreo. Bom, aparentemente, o autor do
comentário supracitado não teve esse cuidado.
Se a obra “Brasil,
Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” não existisse, e nós, Espíritas
militantes, comprometidos com a coerência e a qualidade doutrinárias,
estivéssemos na condição de revisores/analisadores editoriais de uma editora
espírita, não aceitaríamos a publicação de uma obra com o conjunto de
discussões no mínimo questionáveis que esse livro apresenta.
Capítulo 16 –
D. João VI no Brasil
Logo no primeiro
parágrafo do capítulo 16, o texto afirma:
p.119 “Enquanto as falanges espirituais de Henrique de Sagres se reuniam em
Portugal, revigorando as forças lusitanas para a escola de energia, que foi a
guerra peninsular, o exército de Ismael voltava-se para o Brasil, a fim de
inspirar o primeiro soberano do Velho Mundo que pisava as terras americanas”.
Cabe uma pergunta
muito direta: Afinal, quem é Ismael? Questionamos isso, pois consideramos muito
estranho o texto afirmar “o exército de
Ismael voltava-se para o Brasil”! Ora, ele não é o mentor do Brasil? E,
agora, volta-se ao Brasil? Onde ele estava então, até este momento? O sentido
mais profundo ou pelo menos um contexto mínimo a respeito da afirmativa “o exército de Ismael voltava-se para o
Brasil” deveria ter sido explicado no texto. Vale lembrar que logo no
capítulo primeiro do livro fica claro que Hilel seria o mentor de Portugal, o
qual teria reencarnado na crosta com o nome de Henrique de Sagres (registrado
na página 20 do capítulo primeiro “...o
heróico Infante de Sagres...”).
Vejamos o segundo
parágrafo do referido capítulo, ainda na mesma página 117:
p.117 “A esses esclarecidos agrupamentos do mundo invisível, aliava-se agora
a personalidade do Tiradentes, que se transformara em gênio inspirador de todos
os brasileiros...”.
No capítulo
referente à Inconfidência mineira, já tivemos uma surpresa ao ler que
Tiradentes morreu enforcado, tendo seu corpo sido esquartejado e mantido
insepulto, devido a nefandos crimes cometidos como inquisidor, o que não
impediu que se tornasse, logo após sua morte, uma alma redimida (vide
comentário de Ismael no início da página 108, no fim do capítulo 14: “Redimiste o pretérito obscuro e criminoso
com as lágrimas do teu sacrifício em favor da Pátria do Evangelho de Jesus”).
Nosso estranhamento aumentou neste capítulo ao notarmos que Tiradentes se “...transformara em gênio inspirador de
todos os brasileiros...”. Portanto, ele transformou-se em Mentor de todos
os brasileiros. Apesar de Tiradentes ter sido um homem de valor, e realmente
importante na História Brasileira, tornar-se mentor de todos os brasileiros é
questionável. Então, digamos, ele estaria “ombro a ombro” com Emmanuel, por
exemplo? Seria um avanço extremamente rápido para alguém que foi inquisidor no
segundo milênio. Logo, trata-se de mais um comentário duvidoso.
Só para enriquecer
nossa discussão, historiadores já demonstraram que muito do que os republicanos
“criaram” em torno de Tiradentes foi exagerado, tendo sido feito para “gerar”
um herói nacional e, por consequência, fomentar a identidade nacional,
aumentando o sentimento patriótico e também diminuindo, pelo menos um pouco, a
influência do período do império na História e no sentimento nacional.
p.118 “Sobre os nossos esforços há de pairar a direção do Senhor, que se
desvela amorosamente pelo cultivo da árvore sagrada dos ensinamentos,
transplantada da Palestina para o coração do Brasil”.
O livro “Brasil,
coração...” é tratado como uma obra espírita. Sendo assim não seria o caso da
árvore ter sido transplantada da França para o Brasil ao invés de ter saído “da
Palestina para o coração do Brasil?” Portanto, não é observada menção alguma ao
Mestre Lionês e ao “Espírito de Verdade”.
Em se tratando especificamente da “direção do Senhor” e da “árvore
sagrada dos ensinamentos” do Senhor, não seria conveniente e até imprescindível
frisar a obra obtida, publicada e divulgada na França por Allan Kardec que é “O
Evangelho Segundo o Espiritismo”?
Quando Jesus
afirmou que enviaria “O Consolador” para relembrar tudo aquilo que ele dissera
e exemplificara, sobre acrescentar outras lições, patenteia-se a sublime visão
prospectiva do Divino Amigo, sabedor de que o tempo tenderia a diluir os
registros de sua abençoada missão. Para os espíritas não há duvidar de que
Allan Kardec, ao codificar a Doutrina dos Espíritos, missionariamente materializou
o que Jesus prometera. Restou configurar, ademais, que a Codificação aportou na
Terra de parelha com exemplar conduta de médiuns, absolutamente desinteressados
de honrarias, agindo com humildade, seriedade, compromisso e amor à verdade.
p.118 “O Rio de Janeiro…Grandes instituições se fundam na cidade da mais
maravilhosa baía do mundo...”.
Sem dúvida, a baía
da Guanabara constitui um local muito belo. Todavia, frisá-la como a “... mais
maravilhosa baía do mundo...”, trata-se de observação extremamente
subjetiva, ufanista e boba. Vale lembrar que segundo esse mesmo livro “Brasil,
coração...”, promover “vaidades
patrióticas” atrapalha o trabalho de implantação do Reino dos Céus na Terra
(dificulta a geração de “um só rebanho
para um só pastor, Jesus Cristo”).
Capítulo 17 –
Primórdios da Emancipação
Na página 125, há
uma confissão que demonstra, mais uma vez, como o texto é contraditório.
Trata-se de comentário sobre D. Maria I (historicamente conhecida como D. Maria
I, “A Louca”), que foi chamada de “Piedosa” em capítulo anterior desse livro:
p.125 “...Por muito tempo, contudo, esteve apegada às ilusões do seu trono,
perseguida pelo vozerio das entidades desencarnadas em virtude de rigorosas
sentenças de morte, por insinuação dos seus confessores e dos seus ministros”.
Ora, se ela, D.
Maria I, era tão piedosa, como teria problemas conscienciais em função de “rigorosas sentenças de morte”? Nesse
caso, melhor seria chamá-la de “Impiedosa”! E, a propósito, “...por insinuação dos seus confessores...”, significa
que os padres, tão elogiados nesse livro, estavam ajudando a mandar matar?
p.126 “exacerbados os antigos
ódios entre brasileiros e portugueses, que já haviam levado Recife e Olinda à
guerra fratricida...”.
Antigos ódios entre brasileiros e portugueses?
Mas e o ambiente de “fraternidade” que incluía até os negros escravos? Bom,
fica a reflexão para os leitores, até porque o texto não explica muito suas
postulações.
Capítulo 18 –
No limiar da Independência
p. 131 “É
então que a personalidade espiritual daquele que fora Tiradentes procura o
mensageiro de Jesus, solicitando-lhe o conselho esclarecido quanto à solução do
problema da independência:
-- Anjo amigo –
inquire ele – não será agora o instante decisivo para nossa atuação?”
Além de Tiradentes
ter se tornado uma das maiores lideranças espirituais do Brasil, apesar de ter
praticado no mesmo segundo milênio “nefandos crimes como inquisidor”, conforme
o próprio texto de “Brasil, coração...” afirmou em capítulo anterior, ele parece
resgatar, já no mundo espiritual (cujos esclarecimentos deveriam retirá-lo do
mito, do místico e do mágico, levando-o a uma fé mais raciocinada e
libertadora, conforme ensina Herculano Pires e todos os autores espíritas
minimamente lúcidos!), a linguagem dos católicos fanáticos e menos
esclarecidos.
p.133 “As agitações, porém, se avolumam em movimento espantosos, empolgando a
nação inteira. Debalde Portugal procurava reprimir a ideia da independência,
que se firmara em todos os corações”.
A afirmação só
passa a ser questionável se lembrarmos que, segundo o próprio texto, trata-se
da “nação mais humilde do Europa” (p.20 “...A
nação mais humilde da Europa”).
Com tanta humildade assim, depois de mais de três séculos de “colonização de
exploração”, seria de se esperar que aceitassem com um pouco mais de
naturalidade o desejo de emancipação de um país muito maior, mais populoso e
distante territorialmente.
Capítulo 19 –
A Independência
Nesse capítulo,
novamente é reforçado que Tiradentes tornou-se um grande mentor do Brasil e,
além disso, concomitantemente, um mentor de D. Pedro. Vejamos o que Ismael
(p.139 “...que deixa irradiar a luz
misericordiosa do seus coração...)”, fala para Tiradentes:
p.139-140 “...Dirigindo-se ao Tiradentes, que se encontrava presente, rematou:
-- O nosso irmão,
martirizado há alguns anos pela grande causa, acompanhará D. Pedro em seu
regresso ao Rio e, ainda na terra generosa de São Paulo, auxiliará o seu
coração no grito supremo da liberdade. Uniremos assim, mais uma vez, as duas
grandes oficinas do progresso da pátria, para que sejam as registradoras do
inesquecível acontecimento nos fastos da História. O grito da emancipação
partiu das montanhas e deverá encontrar aqui o seu eco realizador. Agora, todos
nós que aqui nos reunimos, no sagrado Colégio de Piratininga, elevemos a Deus o
nosso coração em prece, pelo bem do Brasil.
Em primeiro lugar,
em capítulo anterior, foi dito que a intelectualidade do Brasil era
indiscutivelmente pertencente ao Rio de Janeiro, sendo que Minas e São Paulo
gerariam uma espécie de “energia orgânica”. Agora o texto cai em contradição
fazendo uma nova classificação e excluindo Minas (“...Uniremos assim, mais uma vez, as duas grandes oficinas do progresso da
pátria, para que sejam as registradoras do inesquecível acontecimento nos
fastos da História...”).
Vejamos o
antepenúltimo parágrafo do capítulo 19:
p. 140. “...Tiradentes acompanhou o Príncipe nos seus dias faustosos, de volta
ao Rio de Janeiro. Um correio providencial leva ao conhecimento de D. Pedro as
novas imposições das cortes de Lisboa e ali mesmo, nas margens do Ipiranga,
quando ninguém contava com essa última declaração sua, ele deixa escapar o
grito de “Independência ou Morte!”, sem suspeitar de que era dócil instrumento
de um emissário invisível, que velava pela grandeza da pátria”.
Primeiramente, há
questionamentos históricos sobre como se deu o episódio clímax para a nossa
independência. De qualquer maneira, admitindo-se que tenha sido conforme o
texto assevera, se Dom Pedro “...deixa
escapar o grito de “Independência ou Morte!”, sem suspeitar de que era dócil
instrumento de um emissário invisível, que velava pela grandeza da pátria”,
fica uma questão um tanto complexa: se Tiradentes já era um grande mentor (o
que já foi questionado em nossos capítulos anteriores, mas é enfatizado em
vários capítulos do livro “Brasil, coração...”) e estava recebendo orientações
diretamente de Ismael, supostamente mentor do Brasil e enviado de nosso Mestre
Jesus, como é que ele inspirou Dom Pedro a gritar “Independência ou Morte!”?!
Tal grito não
denota um arroubo de raiva. Um mentor, guiado pelo suposto guia maior do
Brasil, que, por sua vez, também supostamente, é guiado diretamente por Jesus,
não teria que sugerir (lembrando que, segundo o texto, D. Pedro era um “...dócil instrumento...” para Tiradentes!)
um grito como: “Independência e viva o povo brasileiro!” ou “Independência e
liberdade para o povo brasileiro!” ou algo como o lema da “Revolução Francesa:
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade” ?! “Independência ou Morte” foi o grito
inspirado de forma intensa e com grande “sintonia espiritual” por mentores tão
nobres espiritualmente?
O texto, como o
leitor pode perceber, é confuso, prolixo, cheio de problemas, sem apresentar
nenhuma solidez doutrinária e qualquer contribuição a uma edificação da nossa
fé raciocinada.
Capítulo 20 –
D. Pedro II
O capítulo 20 inicia-se na página 141 com a
seguinte explicação:
Pág. 141 “...Definitivamente proclamada a independência do Brasil, Ismael leva
ao Divino Mestre o relato de todas as conquistas verificadas...”.
Fica evidente, mais
uma vez, a suposta grande intimidade de Ismael com Jesus, pelo menos segundo o
livro “Brasil, coração...”. Sem implicações, só raciocinando: seria preciso que
alguém informasse a Jesus o que acontecia no Brasil?
Com relação a
profusão de comentários reverenciosos a igreja católica e aos padres, que
permeiam todo o livro, vale a sugestão de releitura da obra “Emmanuel”
[Emmanuel, 1970], na qual o mentor espiritual, que foi um padre jesuíta (Padre
Manoel da Nóbrega), critica duramente os padres e a igreja (vide, por exemplo,
o capítulo 8 “Confissão Auricular”), dizendo-se tranquilo para fazer isso
porque ele mesmo foi padre! Detalhe: a obra é de 1937, portanto, publicada
aproximadamente na mesma época de “Brasil, coração...” (“Emmanuel” é de 1937 e
“Brasil, coração...” é de 1938).
Ademais, nessa
época da publicação de “Brasil, coração...”, um grande espírita brasileiro
ainda estava encarnado. Seu nome: Cairbar Schutel. E Cairbar tem opinião muito
diferente sobre a Igreja Católica, o que fica explícito nos seus livros. De
fato, Cairbar era um duríssimo crítico da Igreja! Ou seja, não se trata de uma
questão de contexto histórico, momento de evolução do pensamento religioso. Não
é isso. De fato, naquele momento, já não era necessário tamanha exaltação
católica em um livro espírita.
Alguns podem alegar
que Cairbar tinha uma personalidade “mais combativa”, enquanto autor espírita,
e que a missão de Chico contemplava outra abordagem. Se formos considerar tal
hipótese, percebemos que ela não resiste quando fizermos uma comparação com a
acima mencionada obra “Emmanuel”, que também é da mediunidade de Chico Xavier,
pelo mentor espiritual propriamente dito de Chico Xavier e de todo o trabalho por
intermédio da mediunidade xavierina. E que por sinal, prefacia a obra “Brasil,
coração...”.
Não criticar a
Igreja é uma coisa. Promovê-la exaustivamente é outra completamente diferente!
Na página 143,
Longinus, centurião romano que participou da crucificação de Jesus afirma no
texto:
“...não pude entender ao pé da cruz dos vossos martírios no Calvário, em
razão dos espinhos da vaidade e da impenitência, que sufocavam, naquele tempo,
a minha alma...”
Longinus é escalado
para uma importantíssima missão por Nosso Mestre Jesus de Nazaré:
p.143-144 “...—Pois bem – redarguiu Jesus com grande piedade --, essa missão, se
for bem cumprida por ti, constituirá a tua última romagem pelo planeta escuro
da dor e do esquecimento. A tua tarefa será daquelas que requerem o máximo de
renúncias e devotamentos. Serás imperador do Brasil, até que ele atinja a sua
perfeita maioridade, como nação. Concentrarás o poder e a autoridade para
beneficiar a todos os seus filhos...”
É estranho que
Longinus, que, segundo o texto reencarnou como Dom Pedro II, fizesse sua “última
romagem” reencarnatória na Terra como D. Pedro II. Ora, segundo Chico
Xavier, Emmanuel estaria para reencarnar (ou, conforme alguns apregoam, já
estaria reencarnado!); segundo Divaldo Franco, Joanna de Ângelis também estaria
próxima de uma nova reencarnação na Terra; segundo Yvonne Pereira, em
“Devassando o Invisível”, Victor Hugo reencarnaria no início do século XXI para
liderar um grupo de artistas para uma espécie de “nova renascença” nas artes,
incluindo Espíritos do nível de Chopin, entre outros. Sem desmerecer D. Pedro
II, que parece ser um Espírito com méritos, temos que admitir que ele não deve
ser superior a Emmanuel e Joanna de Ângelis. Se tantos Espíritos de altíssimo
valor estão voltando para a vida física a fim de ajudar à melhoria da Terra, D.
Pedro II estaria indo contribuir com mundos superiores?! Esquisito...
Jesus chama o
planeta Terra, que desde sua criação ele governa, de “planeta escuro da dor e do
esquecimento” . É muito difícil aceitar tal frase na boca de mentores
de nível relativo; na boca de Jesus, então, fica ainda mais complicado.
No texto Jesus diz:
“Serás
imperador do Brasil, até que ele atinja a sua perfeita maioridade, como nação”.
Será que consideraríamos que o Brasil, já tenha atingido “a sua perfeita
maioridade, como nação” em 2015? Provavelmente, não. A situação atual do país,
demonstra que, em pleno ano de 2015, ainda estamos em busca de tal objetivo,
mas ainda não logramos tal meta. Bom, se ainda não atingimos isso em pleno
2015, que dizer da situação do país no ano da Proclamação da República, 1889?!
Importante reforçar que em 1889, o Brasil tinha acabado de abolir a escravidão
e, um pouco antes, de vivenciar a Guerra do Paraguai, mas entrava em um período
de terríveis revoluções e instabilidade política com a “República Velha”
(também conhecida popularmente como “Republica das Oligarquias” ou “República
do Café com leite”). Será que Jesus estaria equivocado?!
Subsequentemente
(ainda na página 144), Jesus ainda recomenda para Longinus, futuro D. Pedro II:
“...lembra-te da prudência e da fraternidade que deverá manter o país
nas suas relações com as nacionalidades vizinhas”.
É claro
que D. Pedro II esqueceu disso, haja vista a
triste participação do Brasil na “Guerra do Paraguai”, em que mulheres e
crianças paraguaias foram dizimadas de forma bárbara. Cabe, novamente a
questão: apesar dessa falha, D. Pedro II, desde o século XIX, vive em mundos
superiores, sendo que grande mentores estão reencarnando para melhorar a Terra
em pleno século XXI?
Capítulo 21 –
Fim do Primeiro Reinado
O capítulo 21
apresenta uma frase totalmente isolada, independente e descontextualizada, que
constitui mais uma das colocações questionáveis da obra:
p.150 “A realidade é que Ismael triunfa sempre“.
Acreditávamos que
Jesus é que triunfa sempre!
É incrível como
significativa parcela do movimento espírita brasileiro parece que nem leu o
livro, muito menos estudou, e divulga o mesmo como se fosse um livro com a
mesma qualidade de “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec ou de vários outros
da mediunidade xavierina. Muitos confrades gostam da “ideia-título” do livro,
sendo ludibriados quanto ao conteúdo da obra e aceitando integralmente o texto
sem lê-lo e muito menos estudá-lo. E passam a divulgar o livro, sem um critério
doutrinário mínimo que consiste em “não dar divulgação para as obras que não
foram efetivamente lidas, estudadas e aprovadas”. Nesse caso, trata-se de
ingenuidade aceitar o livro pelo título. Vale lembrar o ditado popular: “Não se
deve julgar o livro pela capa”. Poderíamos parafraseá-lo e asseverar: “Não se deve julgar o livro pelo título”.
E quanto aos que leram e gostaram?! Bom, temos
várias pequenas explicações (que realmente não justificam tão atitude): excesso
de patriotismo; destaque para o Espiritismo nacional, o que nos “contemplaria”
e “promoveria”; amor “cego” a Chico Xavier; amor “cego” a Humberto de Campos,
entre outros.
De qualquer maneira, vale lembrar o Evangelho
de Jesus: “Toda planta que o Pai Celestial não plantou será retirada...”, mesmo
que tenhamos que lutar ainda mais e por mais tempo para isso!
Após esta frase,
também há uma estranha explicação referente à derrota brasileira na “Guerra da
Cisplatina”:
p.150 “Apesar das primeiras
vitórias das armas brasileiras, a província cisplatina, que não era produto
elaborado pela Pátria do Evangelho nem fruto de trabalho dos portugueses, se
separava definitivamente do coração geográfico do mundo...”.
Será que os
uruguaios não poderiam ser, eventualmente, “evangelizados” pela “Pátria
do Evangelho”? E, além disso, muito depois da Guerra da Cisplatina, o
Brasil foi extremamente enriquecido culturalmente por muitos imigrantes de
países mais distantes e de tradições muito diferentes, com línguas mais
diferenciadas e com muito mais dificuldade de interação e assimilação culturais
em comparação com a eventual interação entre brasileiros e uruguaios.
Capítulo 22 –
Bezerra de Menezes
Chegamos ao famigerado capítulo 22, no qual J.
B. Roustaing é citado. Analisemos o texto que comenta sobre os missionários
auxiliares de Kardec:
p.156 “Segundo os planos de
trabalho do mundo invisível, o grande missionário, no seu maravilhoso esforço
de síntese, contaria com a cooperação de uma plêiade de auxiliares de sua obra,
designados particularmente para coadjuvá-lo, nas individualidades de João
Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de León Denis, que
efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a
estrada científica, e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos,
desenhando as maravilhas das paisagens celestes, cooperando assim na
Codificação kardequiana no Velho Mundo e dilatando-a com os necessários
complementos” .
Antes de qualquer
comentário, é preciso deixar claro que, muito antes de chegarmos ao capítulo
mais citado negativamente da obra, devido, obviamente, a essa menção sobre
Roustaing, está evidente para qualquer espírita minimamente informado e
coerente doutrinariamente que a obra “Brasil, coração...” tem uma série de problemas
de forma e conteúdo. Extremamente anti-doutrinária, “católica”, confusa, cai em
contradição por diversas vezes, comete vários equívocos históricos e, em muitos
tópicos em que não está claramente equivocada, elabora discussões no mínimo
questionáveis. Essa (obra) é “Brasil, coração...”.
A obra tem tantos
problemas que afirmar que se trata de “obra polêmica” do ponto de vista
doutrinário, como de forma simplista muitas vezes a mesma é considerada,
consiste em fornecer a esse livro o benefício de um status que muito
provavelmente não mereça. O pior é admiti-la, como frequentemente alguns fazem,
como obra imprescindível à “formação doutrinária” do espírita!
Ao chegarmos ao
capítulo 22, fica evidente que grande parte das discussões e polêmicas que giram
em torno do livro “Brasil, coração...” minimizam os problemas do livro. No
movimento espírita, aqueles que defendem “Brasil, coração....”, basicamente
defendem a “ideia-título”, e sempre levam a discussão para a importância do
Brasil no cenário mundial em termos espirituais, fundamentalmente pelo fato do
Brasil ter “abrigado” o Espiritismo. Por outro lado, os que criticam a obra, na
maioria dos casos, referem-se ao capítulo 22 e a menção a J. B. Roustaing como
“missionário da fé”.
A nosso ver, o
livro é fraquíssimo e seus erros extrapolam, e muito, o problema da citação de
Roustaing. E, que fique claro, isso não tem nada a ver com a “ideia-título”
exarada na capa da obra. Antes de qualquer debate sobre o assunto, é importante
para todos os espíritas, que estejam sinceramente predispostos à busca da
Verdade através do esclarecimento doutrinário, que deixem enfaticamente
evidente para os interessados o que será discutido em todo e qualquer tipo de
estudo que direta ou indiretamente aborde o livro “Brasil, coração...”: a ideia
inserta APENAS no título, ou seja, basicamente o papel do Brasil no avanço do
nível de Espiritualidade mundial ou TODO O LIVRO DENOMINADO “BRASIL, CORAÇÃO DO
MUNDO, PÁTRIA DO EVANGELHO”, COM TODOS OS SEUS 30 CAPÍTULOS?
Aliás, muitos que
fazem essa confusão, nem leram o livro ou têm outros interesses motivando seus
pontos de vista.
Luciano Costa, em
sua obra “Kardec e não Roustaing”, afirma logo no início que “o corpo fluídico
era a isca” que Roustaing e/ou os Espíritos mistificadores que trouxeram “Os
Quatro Evangelhos” utilizavam para seduzir os incautos. Luciano Costa explica
que a obra de Roustaing era uma mistificação tão óbvia, com problemas tão
numerosos, graves e evidentes, que a proposta do famigerado corpo fluídico de
Jesus não era nem o maior e muito menos o único problema doutrinário do texto.
E, apesar disso, é muito usual perceber que, mesmo nos dias atuais, a menção ao
nome Roustaing ainda gera discussões restritas única e exclusivamente à questão
sobre a natureza do corpo de Jesus de Nazaré. No que se refere ao livro
“Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho”, temos que ressaltar que a
“isca”, nesse caso, é a confusão entre a “ideia-título” e o conteúdo de todos
os 30 capítulos do respectivo livro! São
duas discussões completamente diferentes, as quais vêm sendo, propositadamente
ou não, confundidas sistematicamente. Seria algo semelhante a um indivíduo,
tido como espírita, defender a ideia-título de “O Livros dos Espíritos” e, por
isso, se sentir desobrigado de ler e estudar o conteúdo da obra. Com a
diferença que a qualidade do conteúdo da obra “O Livro dos Espíritos”
corresponde à síntese da Codificação, ou seja, da Terceira Revelação prometida
por Jesus.
A ideia básica do
título “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho” é bastante razoável e
passível de ser estudada, discutida e analisada em termos de implicações dentro
do contexto das responsabilidades do espírita atuante. Já o conteúdo do texto
não é nada razoável, pelo menos se o livro for considerado um livro espírita,
e, o que é mais grave, livro altamente relevante para a formação doutrinária
dos espíritas em geral, conforme alguns asseveram.
Feito esse
esclarecimento, e admitindo, aprioristicamente, que o texto corresponde,
realmente, aos originais que foram submetidos à publicação pelo médium
Francisco Cândido Xavier, temos que esclarecer em que consiste uma “missão
espiritual na Terra” e o papel de um suposto “missionário”. Para isso, recorramos à mensagem do livro
“Obras Póstumas” denominada “Meu Sucessor”, na qual Kardec pergunta se um
suposto sucessor já estava sendo preparado, para a eventualidade dele, Allan
Kardec, não poder continuar a obra (afinal, ele sabia estar muito doente e
estava consciente de que provavelmente não tinha muito tempo de vida física. O
Codificador estava, por conseguinte, preocupado com o desenvolvimento do
movimento espírita após sua desencarnação ou impossibilidade física em virtude
de uma possível ocorrência patológica mais grave).
A resposta
estabeleceu que “sim e não”. Sim, havia alguém previamente designado e que
estava sendo lenta, gradual e criteriosamente preparado, mas, segundo a
orientação espiritual recebida pelo Codificador, não necessariamente ele
desenvolveria a função, uma vez que qualquer missionário pode refugar de
quaisquer tarefas, em função de seu livre-arbítrio e das dificuldades inerentes
ao processo reencarnatório (tais como a influência da matéria, o esquecimento
do passado, as influências espirituais negativas, a perda de foco em função de
grande número de áreas de interesse e habilidades previamente conquistadas
etc.).
Portanto, ser
“missionário” ou “ter uma missão” não quer dizer, de maneira alguma, que a
missão será completada, e nem sequer iniciada! Vários capítulos da obra de
André Luiz “Os Mensageiros” [Luiz, 2003] bem como da obra de Manoel Philomeno
de Miranda “Tormentos da Obsessão” [Miranda, 2001] dão exemplos de vários
médiuns e doutrinadores espíritas fracassados. Aliás, ser “missionário”, a
rigor, é ter uma tarefa, o que todos, sem exceção, possuem. É claro que em se
tratando da referência a Roustaing, no capítulo 22 de “Brasil, coração...”, o
advogado de Bordeaux é mencionado ao lado de verdadeiros missionários, o que,
admitindo a legitimidade do texto, em princípio, não deixaria margem para
dúvidas de que realmente ele tinha tal missão.
Entretanto,
indiscutivelmente, a missão de Roustaing é a mais ambígua, confusa e
contraditória em relação a diversos fatores (destacamos três deles): 1) em
relação ao texto propriamente dito exarado em “Brasil, coração...”; 2) com
respeito à obra escrita deixada pelos respectivos missionários e; 3) no que se
refere também ao que realmente foi feito no Movimento Espírita da época, em
termos de atuação por parte dos referidos desenvolvedores da obra de Kardec.
Vejamos,
primeiramente, em relação ao texto de “Brasil, coração...”: o que seria a
missão da “organização do trabalho da fé”, pura e simplesmente, sem nenhuma
explicação adicional? O texto é vago, estranho...afinal, a Doutrina Espírita é
a Doutrina da “Fé Raciocinada”, da libertação das consciências pela aquisição
do entendimento das Leis da Vida. Assim sendo, a missão de Denis, focada em
desdobramentos filosóficos é uma missão de aprofundamento da “Fé Raciocinada”;
assim como a missão de Delanne, buscando evidências científicas da imortalidade
da alma através do estudo do fenômeno mediúnico, é uma missão de aprofundamento
da “Fé Raciocinada”; assim como a missão de Flammarion, discutindo as questões
relacionadas à “Pluralidade dos Mundos Habitados”, também fortalece a “Fé
Raciocinada”, concernente a um dos princípios básicos do Espiritismo. E
Roustaing? Nada! Simplesmente a missão da “organização do trabalho da fé”! Da
forma como está colocado, o texto, além de ser, ironicamente, um comentário que
remete, mais uma vez, ao jargão católico, sugere, indiretamente, uma espécie de
“fé cega”.
Poder-se-ia alegar
que a “fé” representaria o aspecto religioso do Espiritismo, no que se refere à
interpretação do Evangelho de Jesus, referência moral maior de toda a humanidade,
conforme Questão 625 de “O Livro dos Espíritos” (LE). A título de estudo,
dispomo-nos a admitir tal argumentação. Vejamos, o aspecto religioso da
Doutrina Espírita é representado fundamentalmente pela obra “O Evangelho
Segundo o Espiritismo” (ESE), publicado em primeira edição em 1864 e com
desdobramentos na obra “O Céu e o Inferno”, cuja primeira edição é de 1865,
anos nos quais, concomitantemente, Roustaing e sua médium Emilie Collignon, de
forma totalmente independente do Movimento Espírita, já elaboravam a obra propagada como “Revelação da Revelação”!
Porém, as obras são totalmente antagônicas, envolvendo, supostamente, pelo
menos um Grande Espírito em comum, que seria João Evangelista, que ensina vários
conceitos completamente distintos nas referidas obras.
E sobre o terceiro
tópico, que diz respeito ao que realmente foi feito no Movimento Espírita da
época, em termos de atuação por parte dos referidos desenvolvedores da obra de
Kardec, é lamentável constatar que Roustaing não fez nada! Para quem,
supostamente, tinha a missão de “organizar o trabalho da fé”, além de “cega”,
teria que ser “preguiçosa”, pois foi totalmente “sem obras” dentro do Movimento
Espirita, no qual Roustaing jamais permitiu-se integrar de forma efetiva.
Denis, Delanne e Flammarion, com destaque especial para os dois primeiros,
foram atuantes no Movimento Espírita, que foi rejeitado por Roustaing
.“Organizar o trabalho da fé” equivaleria, apenas, a publicar o seu único
livro?! Vale lembrar da carta do
Apóstolo Tiago (capítulo 2, versículos de 17 a 19): “Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está
morta. Mas alguém dirá: "Você tem fé; eu tenho obras". Mostre-me a
sua fé sem obras, e eu mostrarei a minha fé pelas obras. Você crê que existe um
só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem - e tremem!”.
Vale registrar que
Humberto de Campos, na obra “Crônicas de Além-Túmulo” (capítulo 21 denominado
“O Grande Missionário”), que é anterior a “Brasil, coração...” (foi publicado
em primeira edição em 1937), são citados como colaboradores de Allan Kardec os
missionários Camille Flammarion, Léon Denis e Gabriel Delanne, sem nenhuma
menção a Roustaing [Campos, 1998].
Para que tal tópico
fique elucidado com bastante clareza, estamos transcrevendo um comentário do
lúcido professor Herculano Pires em
seu livro, publicado postumamente, denominado “A Evolução Espiritual do homem – na perspectiva da Doutrina Espírita”
(capítulo primeiro – “O Homem no Mundo como Ser na Existência”, quarto
parágrafo) [Pires, 2002]:
“O
religiosismo popular, na França como em toda parte, foi abalado pela
resistência e a insistência de Kardec, absorvendo os seus princípios básicos.
Foi então que ele se entregou a elaboração secreta de “O Evangelho Segundo o
Espiritismo” proporcionando ao povo os esclarecimentos espíritas. Nesse livro
ele amparava e estimulava a religião do povo, mas sustentando essa
religiosidade em termos racionais. Apoiava-se então no princípio doutrinário da
Lei de Adoração – Lei universal que só ele descobriu e explicou, - reativando a
religião nos corações abalados. Ainda hoje há espíritas, não raro ocupando
posições de direção em instituições doutrinárias, que não compreendem a
necessidade e o valor desse livro orientador da intuição religiosa popular. Não
compreendem que o aspecto religioso do Espiritismo constitui a base inabalável
do movimento espírita no mundo. Outros chegam a criticar Kardec por essa
capitulação, e outros, mais ingênuos,
chegam ao cúmulo de alegar que essa tarefa cabia a Roustaing, o infeliz fascinado
de Bordeaux que lançou a obra de evidente mistificação “Os Quatro
Evangelhos”, em que os evangelistas se contradizem a si mesmos e tentam
forçar um retrocesso católico do religiosismo popular. A tese espúria,
levantada pela Federação Espírita Brasileira, de que Roustaing estava incumbido
do problema da fé é simplesmente alucinante. O pobre fascinado não foi
discípulo de Kardec, jamais militou ao seu lado e teve sua obra rejeitada pelo
mestre. A fé de Roustaing não podia entrosar-se na obra de Kardec, pois era a
fé católica medieval, enquanto a fé espírita, definida por Kardec como fé
racional, não precisava de nenhum assessor místico e fanático para se
implantar na consciência dos novos tempos. O Espiritismo rejeita toda
mitologia de ontem, de hoje e de amanhã. Sua função é de transformar os
erros em verdades, como se lê em Kardec, e não em remendar as mitologias
antigas com novos ridículos mitos, como Roustaing tentou fazer em sua obra
mistificadora, em que a obra kardeciana é deformada por um trabalho de plágio
vergonhoso e de remendos adulteradores que denunciam a debilidade mental do
autor. Por sinal que este mesmo declara, na introdução de sua obra, que a
obteve mediunicamente (por uma médium, que foi a primeira a rejeitar a
mistificação) após haver saído de um internamento em hospital de doentes
mentais” (Herculano Pires) (grifos nossos).
Jesus disse: “seja o seu dizer: sim, sim; não, não”!
Cabe a cada espírita, portanto, escolher e
pregar com critério e responsabilidade, tendo a certeza de que se enganarmos a
nossos irmãos, principalmente motivados por razões escusas, “colheremos” as
consequências.
Capítulo 23 –
A obra de Ismael
Considerando que toda a obra “Brasil,
coração...” já contempla, em todo o seu conteúdo, inumeráveis comentários
elogiosos ao Espírito denominado Ismael, destacando a atuação desse Espírito em
toda a história espiritual do Brasil, consideramos que a escolha do título do
capítulo não foi muito feliz. Afinal, a obra de Ismael, pelo menos de acordo
com a obra “Brasil, coração...”, já estaria sendo desenvolvida desde antes do
descobrimento do Brasil.
Esse redundante
destaque também apresenta um problema maior, afinal, a obra, em última análise,
é de “Jesus”.
Portanto, mesmo admitindo
que não seja de forma proposital, o texto acaba reforçando um “culto à
personalidade de Ismael”, ou seja, um excessivo destaque a Ismael, o que é
questionável do ponto de vista evangélico-doutrinário. Vejamos:
p.164 “...para levantarem bem alto
a bandeira de Ismael, como manancial de luz para todos os Espíritos e de
conforto para todos os corações”.
E no parágrafo seguinte, na mesma página:
p.164 “...Os mensageiros de
Ismael, triunfando da discórdia
que destruía o grande núcleo nascente...”.
Podemos lembrar a
contundente passagem do Mestre Nazareno registrada no Evangelho de Lucas: “Assim
também vós, quando tiverdes cumprido todas as ordens, dizei: Somos simples
servos, fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lucas 17.10).
Ademais, o título
do capítulo 23 acaba levantando novamente a questão: Ismael é o mentor do
Brasil, do movimento espírita brasileiro, de uma ou mais instituições espíritas
específicas ou é o mentor espiritual de tudo isso ao mesmo tempo? Vale
registrar que o nome de “Allan Kardec” é citado uma única vez em todo o capítulo
(no final do quarto parágrafo do referido capítulo (p.162), e três vezes em
todo o livro, sem maiores destaques, o que seria de se esperar (as
adjetivações) considerando o uso corriqueiro de muitos elogios a vários
Espíritos, sobretudo a Ismael, em todo o texto de “Brasil, coração...”.
De fato, na página
161, o lema “Deus, Cristo e Caridade” aparece mais uma vez, o que vai ocorrer
novamente na página 164, através de citação à “Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade”, sob a direção
esclarecida de Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, grande discípulo do
emissário de Jesus...”.
O capítulo 23
remonta, portanto, aos primórdios do movimento espírita brasileiro, inclusive
citando no quinto parágrafo “...o primeiro periódico espírita brasileiro – “O
Eco de Além-Túmulo” (p.163). Sabemos, de fato, que vários espíritas nobres
lutaram muito para implantar o Espiritismo no Brasil, em uma época extremamente
difícil e de grande preconceito contra o Espiritismo. Mas acreditamos que tal
luta não foi bem relatada no referido capítulo. Realmente, tal capítulo destaca
praticamente apenas os espíritas assim como a história associada à fundação da
“Federação Espírita Brasileira”, citada nominalmente no final do último
parágrafo do capítulo. É inegável a contribuição da referida instituição no
movimento espírita brasileiro no passado e no presente, mas a lembrança de
pioneiros associados a outras instituições e localidades do movimento espírita
brasileiro seria mais justa e mais coerente com um livro que se propõe a narrar
a história espiritual de todo o Brasil.
Além disso, a
discussão acima enfatiza, uma vez mais, a dificuldade em definir o papel de
Ismael, em termos de atribuições espirituais.
O Capítulo 23, “A
obra de Ismael”, também apresenta um problema adicional, que consiste no fato
de parecer estar descontextualizado no tempo. Muitos fatos narrados parecem
“quebrar” a sequência narrativa do livro, ou seja, não estão condizentes com a
sequência cronológica da história do Brasil e nem com o ritmo de narrativa
imprimido desde o início do livro. Portanto, parece ter havido um esforço para
que tal capítulo se encaixasse dentro da sequência narrativa, pois o mesmo
quebra radicalmente a sequência do livro. É claro que se trata de um problema
de forma e não de conteúdo, mas é algo estranho. Essa constatação ficará mais clara a partir
do estudo do capítulo subsequente (Capítulo 24, “A regência e o segundo
reinado”), pois teremos que “voltar no tempo” muitas décadas em relação ao
momento histórico que havíamos chegado no final do referido capítulo 23.
Vejamos:
p.165. “Em 1883, Augusto Elias da
Silva, na sua posição humilde, lançava o “Reformador”, coadjuvado por alguns
companheiros...”
E,
subsequentemente:
p.165 “ – Chamem agora Bezerra de Menezes ao seu apostolado!”
Fica evidente, por
conseguinte, que chegamos às duas décadas finais do século XIX, nas quais
Doutor Bezerra de Menezes terá uma atuação destacada no Movimento Espírita
Brasileiro até sua desencarnação, por acidente vascular cerebral (AVC) em 11 de
abril de 1900. No entanto, teremos que voltar muitas décadas no tempo...
CONTINUA NA PARTE IV (PARTE FINAL)...
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