Jorge Hessen
Um leitor e amigo
sugeriu-me comentar sobre a alimentação carnívora. A princípio, não ignoro que
a ingestão de carne deriva dos nossos vícios milenários de nutrição. Alega-se
também que a nossa atual constituição física ainda depende da alimentação
carnívora para a manutenção da saúde e, por consequência, da vida, pois a carne
é proteína e proteína é necessária para boa formação muscular, inclusive a
cardíaca. Contudo, sei que as substâncias que o nosso corpo necessita também
podem ser retirados dos vegetais.
É importante saber
a princípio se a alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da
Natureza. Os Benfeitores disseram a Kardec que em razão “da nossa constituição
física, a carne nutre a carne, do contrário morremos. A lei de conservação nos
prescreve, como um dever, que mantenhamos nossas forças e saúde, para cumprir a
lei do trabalho. Temos que nos alimentar conforme exige a nossa organização
fisiológica.” [1] Como observamos o ser humano é onívoro [2] e inclui a
necessidade de carne em sua alimentação. Foi o Criador que nos constituiu
fisiologicamente necessitando de carne. O complexo é nos autoconvencermos de que
um dia não necessitaremos mais da carne.
Sem dúvida que a
frase “a carne nutre a carne” justifica a alimentação carnívora sem remorsos.
Porém, há os que defendem que podemos nos esforçar para diminuir a ingestão da
carne paulatinamente. Concordo! Para
tais vegetarianos há indícios de que a
dieta carnívora potencializa o advento de inúmeras doenças que provavelmente têm
menores chances de evoluir em pessoas que fazem uso da dieta vegetariana.
Este é um bom argumento para a abstenção(da carne), até porque , segundo
sustentam os Espíritos, "permitido é ao homem alimentar-se de tudo o que
lhe não prejudique a saúde”.[3] Os abstêmios da carne afirmam que há estudos
sobre o risco cardiovascular em vegetarianos e onívoros . Constatou-se que a alimentação onívora, com
excessos de proteínas e gorduras de origem animal, potencializa eventos
cardiovasculares. Ao passo que as dietas à base de ovo, leite e vegetais ou só
vegetais apresentaram menores riscos cardiovasculares.
Entretanto os
cientistas alertaram que ainda é muito cedo para se estabelecer uma relação
entre o consumo de carne vermelha e laticínios e o câncer de próstata, por
exemplo, embora afirmem que as
descobertas fornecem pistas para o estudo da ligação com a doença. Os abstêmios
da carne garantem que a adrenalina produzida no estresse da morte, as toxinas
(lixo metabólico) e a ureia que circulavam no organismo quando o animal é
morto, se impregnam na carne. Fora os micro-organismos patogênicos: bactérias,
vírus, protozoários (nenhum boi ou porco faz check-up antes de morrer). Lembrando que quase a metade da carne
consumida no Brasil provém de abatedouros clandestinos, portanto as condições sanitárias
são uma roleta- russa, porém com todas as balas no tambor.
Será que a prática
do vegetarianismo é uma demonstração de evolução espiritual e ser onívoro é,
por si só, um sinal de inferioridade moral? Respondo com Chico Xavier que não
dispensava um bife acebolado com arroz e feijão. Isso não é lenda, é fato! Pela
narrativa dos evangelistas o próprio Cristo comia peixe. O Mestre nunca
desaprovou alimento algum. Comumente recorria à figura do pastor e suas
ovelhas. Ora, pergunto aqui, para que um pastor criava ovelhas? Seria só para
adorno caseiro ou para engordá-las e em seguida comê-las? Se tal situação fosse
censurável perante a vida, o Sublime Senhor não usaria essa metáfora, pois o
pastor seria pior que o lobo.
Sim, Jesus comia
peixes, portanto comia carne (peixe não é vegetal), por isso Ele mesmo advertiu
que o importante não é o que entra na boca do homem, mas o que sai dela. O que não significa aqui que a frase deva ser
interpretada ao pé da letra e de modo extemporâneo para justificar o abuso da
ingestão de carne, até porque o abuso é ilícito em tudo.
Apesar dos nossos vícios
milenários de nutrição e os intransigentes debates em torno do assunto, não
creio que comer carne possa acarretar expiações futuras. Contrariamente, a
carne ainda serve de base alimentar para muita gente. Além disso a atual
tecnologia tem produzido a carne em laboratório, isso sinaliza um futuro sem frigoríficos,
abatedouros e matadouros que não serão
mais necessários.
Sem adentrar no
mérito da decisão particular daqueles que não ingerem carne, que eu respeito
profundamente, recorro a Kardec quando inquiriu aos Espíritos se era importante
abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra qualquer, por expiação. Os
Benfeitores explanaram que “era meritório se tal abstenção fosse em benefício
dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há mortificação, havendo privação
séria e útil. Por isso é que qualificamos de impostores os que apenas
aparentemente se privam de alguma coisa.” [4]
A Doutrina
Espírita não proíbe nada; orienta com o apelo que faz à razão. É uma questão de
bom-senso! Se a “carne nutre a carne” nada me obriga a parar de comê-la. Até
mesmo porque não são muitas as pessoas que se despojam de alguma coisa em
benefício do próximo. Os motivos de alguns abstêmios da carne, raramente são muito
convincentes; os discursos tangem para filosofias espiritualistas que não têm maior
aproximação com o Espiritismo.
Faço
aqui uma ajuizada advertência considerando os médiuns que lidam com serviços
mediúnicos de desobsessão. Segundo André Luiz, “a alimentação, durante as horas
que precedem o serviço de intercâmbio espiritual, deve ser leve. Nada de
estômago cheio. A digestão laboriosa consome grande parcela de energia,
impedindo a função mais clara e mais ampla do pensamento, que exige segurança e
leveza para exprimir-se nas atividades da desobsessão.”[5]
“Aconselháveis
os pratos ligeiros e as quantidades mínimas, crendo-nos dispensados de qualquer
anotação em torno da impropriedade do álcool, acrescendo observar que os amigos
ainda necessitados do uso do fumo e da carne, do café e dos temperos
excitantes, estão convidados a lhes reduzirem o uso, durante o dia determinado
para a reunião, quando não lhes seja possível a abstenção total,
compreendendo-se que a posição ideal será sempre a do participante dos
trabalhos que transpõe a porta do templo sem quaisquer problemas alusivos à
digestão.”[6]
Referências
bibliográficas:
[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos,
RJ: ed. FEB. 2001, perg 723
[2] O termo onívoro vem do latim omnis,
que significa todos, e por isso alguns dizem que os onívoros são aqueles
capacitados para consumir qualquer tipo de alimento. Seguindo a definição de
que onívoro é o ser que se alimenta de carnes e vegetais, podemos dizer que o
ser humano é onívoro, embora o hábito de comer carne seja mais ligado a fatores
culturais, uma vez que o aparelho digestivo humano se assemelha mais ao dos
seres herbívoros.
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos,
RJ: ed. FEB. 2001, perg 722
[4] Idem , perg.724
[5] XAVIER,
Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. Desobsessão, Cap. II, RJ: Ed. FEB, 1973
[6]
idem
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